Nematoides fitopatogênicos e as principais espécies causadoras de danos econômicos nas lavouras do Brasil.
*Editorial por Me Paulo Santos; Ph.D. Cristiano Bellé
Os nematoides são vermes cilíndricos usualmente microscópicos, pertencentes ao filo Nematoda, ocorrentes nos mais diversos ambientes do planeta, desde que neles haja umidade suficiente para lhes assegurar a sobrevivência. Embora abundantes, com frequência passam despercebidos devido ao fato de seus corpos medirem menos de 1,0 mm de comprimento, não sendo visíveis a olho nu.
São arbitrariamente agrupados dentro de três categorias com base nos hábitos alimentares:
- De vida livre: É o grupo mais numeroso e inclui formas que se alimentam de fungos (micofagas), de bactérias (bacteriofagas), de algas (algívoras), de outros nematoides (nematofagas) ou com hábitos variados (=onívoras);
- Zooparasitas: São aqueles que se adaptaram à vida parasitária sobre animais, tanto invertebrados como vertebrados, estando aqui incluídas as espécies de maior tamanho conhecidas, e
- Fitoparasitas (=fitonematoides): Os que evoluíram ao parasitismo sobre plantas, atacando principalmente suas raízes e podendo causar perdas apreciáveis em muitas culturas de interesse econômico ao redor do mundo.
Estruturalmente, os nematoides em geral são comparáveis a um modelo formado por dois tubos, um externo, a parede do corpo, contendo o outro interno, basicamente com o sistema digestório, sendo o espaço intermediário, o pseudoceloma, preenchido por fluidos, mantidos sob pressão adequada.
O sistema digestório se constitui de cavidade bucal, esôfago, intestino e ânus. No caso dos fitonematoides, de importância agronômica, cavidade bucal apresenta sempre um órgão típico, o estilete, sendo esse destinado à injeção de substâncias tóxicas nas células vegetais, utilizadas como alimento, e à ingestão dos nutrientes nelas produzidos. Embora com pequenas variações possíveis, o estilete bucal é dividido em três partes: uma ponta cônica, uma haste cilíndrica intermediária e três nódulos basais.
No esôfago, na região intermediária, há uma estrutura arredondada ou oval (bulbo mediano) provida de aparelho valvular que promove bombeamento durante o parasitismo do nematoide sobre a planta, forçando a entrada e passagem do alimento através do estilete bucal e depois por toda a sua extensão até ser lançado no interior do intestino, onde ocorrerá parte do processo de digestão.
A anfimixia é a modalidade reprodutiva mais comum em nematoides, implicando em numerosos machos e fêmeas, que se acasalam e, mediante processos de fecundação e fertilização, acabam formando ovos e originando descendência.
Todavia, entre os fitonematoides, inclusive em várias espécies de importância econômica, pode ocorrer partenogênese, método de reprodução em que não acontece a fertilização, sendo a prole formada apenas a partir da fêmea; a partenogênese pode ser mitótica obrigatória, como em certas espécies de nematoides-das-galhas, nematoides-das-lesões. Nos nematoides parasitas de plantas, o número de ovos por fêmea costuma variar de 50 a 150, embora possa chegar a 400 ou 500 em gêneros como Ditylenchus, Meloidogyne, Heterodera e Globodera.
Para se classificar os nematoides que atacam plantas, quanto ao tipo de parasitismo, considera o fato de penetrarem parte do corpo no órgão vegetal, ou o corpo inteiro. Os espécimes que apenas introduzem o estilete bucal na raiz (ou em outra parte atacada), mantendo todo o corpo externamente à planta, são ditas ectoparasitas, ao passo que aquelas que penetram integralmente o corpo no tecido vegetal, pelo menos durante uma fase do ciclo de vida, são referidas como endoparasitas.
Também é importante a caracterização dos fitonematoides em termos de parasitismo como migradores e sedentários.
Fitonematoides Migradores
São aqueles que ficam por minutos ou segundos parasitando uma célula vegetal, nela introduzindo o estilete para injetar toxinas e dela remover o conteúdo celular transformado em alimento; logo depois abandonam o local e a célula atacada morre. Tais nematoides sempre apresentam corpo filiforme, conformação que favorece a movimentação no interior da planta atacada ou no solo.
Fitonematoides Sedentários
São aqueles que selecionam inicialmente um grupo de células vegetais e nelas injetam suas toxinas via estilete bucal; após certo período, passam a ingerir o material alimentar produzido, praticamente esgotando o conteúdo citoplasmático destas células. Por perderem a mobilidade e se fixarem a esse local em que conseguem incitar o sítio de alimentação, os nematoides são denominados sedentários; quase sempre, o corpo das fêmeas dos nematoides sedentários perde a forma filiforme usual e se torna obeso, aberrante, assumindo forma de esfera, de pêra, de limão, de rim, entre outras, tornando-se esbranquiçadas e podendo ser visualizadas no interior das galhas.
O grupo de fitonematoides de maior importância na Agricultura em todo o mundo é o dos nematoides-das-galhas, que reúne as espécies do gênero Meloidogyne (Figura 1). São formas sedentárias que parasitam raízes e/ou outros órgãos vegetais subterrâneos (rizomas, tubérculos, fruto hipógeo). Seu ataque quase sempre leva ao aparecimento de má formação (engrossamentos) nas raízes, denominadas galhas (Figura 2), no geral visíveis a olho nu e que logo despertam a atenção do agricultor. Atacam culturas anuais, semi-perenes e perenes.
Como o ciclo biológico pode se completar em três semanas (ou menos), sob condições edafoclimáticas favoráveis, várias gerações se sucedem e as populações de tais parasitas crescem muito rapidamente, podendo resultar em danos severos e perdas vultosas até em cultivos anuais. No Brasil, estão presentes tanto espécies polífagas (Meloidogyne arenaria, M. incognita, M. javanica), como outras mais exigentes quanto às culturas hospedeiras (M. enterolobii, M. exigua, M. hapla, M. paranaensis).
Um segundo grupo de fitonematoides sedentários de grande interesse mundial, o nematoide-dos-cistos, é representado por uma única espécie importante no Brasil até o momento, Heterodera glycines (nematoide-do-cisto-da-soja). Outras espécies sedentárias de interesse são o nematoide-reniforme, Rotylenchulus reniformis, polífago, mas de ocorrência mais comum em algodão e soja, e o nematoide-dos-citros, Tylenchulus semipenetrans parasita quase exclusivo de plantas cítricas.
Entre os nematoides migradores, destacam-se os representantes de dois gêneros de hábito endoparasita, os chamados nematoides-das-lesões (Pratylenchus) e cavernícolas (Radopholus). Neste último, realça mundialmente Radopholus similis importante parasita de bananeiras, enquanto diversas espécies polífagas de Pratylenchus (Figura 3) ocorrem no Brasil, com destaque a P. brachyurus e P. zeae.
Embora inespecíficos, certos sintomas são bem comuns nas culturas atacadas por nematoides. Alguns são diretos, ou seja, ocorrem nos próprios órgãos vegetais parasitados, como galhas, escassez de radicelas, descolamento cortical, deformações do tipo digitamento, necrose, rachaduras e outras. Na parte aérea da cultura, sintomas reflexos são frequentes, como desuniformidade no tamanho das plantas, nanismo, murcha, clorose e desfolhamento, aparecendo na forma de manchas ou “reboleiras” (Figura 4). Ha sintomas peculiares em certas interações, como o tombamento de plantas em bananais sob ataque pelo nematoide cavernícola. A redução na produtividade ao longo dos anos é outro indicativo útil de fitonematoses.
Como os sintomas observados no campo não são específicos, podendo ter outras causas que não nematoides, é essencial que se proceda sempre à diagnose com base na verificação do fitopatógeno em material vegetal e/ou solo, coletados diretamente na área da cultura sob suspeita de ataque.
As perdas provocadas por ataques de fitonematoides podem ser leves, ou até mesmo muito elevadas, quase totais. Nos cultivos anuais, a prática da monocultura pode levar a aumentos gradativos nos níveis populacionais de fitonematoides na área, tornando os danos progressivamente mais evidentes. No caso do sistema de plantio direto, de uso mais recente, a escolha das culturas a serem plantadas em sequência ao longo do ano é que irá determinar a ocorrência, ou não, de problemas mais sérios por fitonematoides na área.
Culturas perenes requerem atenção especial para as mudas utilizadas na formação da plantação, para que não estejam infectadas por fitonematoides. Medidas de prevenção da parte dos produtores rurais são essenciais no sentido de se evitar que os fitonematoides causem danos e perdas significativos.
Figura 1 – Fêmea de Meloidogyne spp.
Figura 2 – Sintoma de Meloidogyne spp. raízes de soja
Figura 3 – Espécime do nematoide-das-lesões, Pratylenchus brachyurus.
Figura 4 – Reboleiras de nematoide-das-galhas (Meloidogyne spp.) em lavoura de soja
*Paulo Santos e Cristiano Bellé pertencem ao Grupo Phytus/Elevagro, parceiro homologado da Biotrop para a realização de análises laboratoriais de raiz e solo. Artigo escrito com exclusividade para a parceria.
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